"BRICS: no espelho dos tempos". Em que coincidem os interesses da Rússia e do Brasil
Na 19ª edição do projeto conjunto da rede internacional TV BRICS e GAUGN "BRICS: no espelho dos tempos", dedicado à interrelação entre a Rússia e o Brasil dentro do BRICS, Alla Borzova, Doutora em História, Professora do Departamento de Teoria e História das Relações Internacionais da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da RUDN, falou sobre as áreas promissoras de cooperação entre a Rússia e o Brasil.
O projeto é apoiado pelo Ministério da Educação e Ciência da Rússia, no âmbito do projeto federal "Popularização da Ciência e Tecnologia".
O Brasil é um dos fundadores do BRICS. Hoje está claro que essa associação é um passo significativo em direção a um mundo multipolar, onde os interesses de todos os países sejam levados em conta. Em que áreas a Rússia e o Brasil possuem os mesmos interesses e como eles podem se beneficiar de uma moeda única do BRICS?
Antes de mais nada, vamos nos lembrar de como o BRICS se formou e por que o Brasil se tornou membro pleno deste grupo de cinco países?
Do ponto de vista da Rússia, compreensivelmente, é aquela ideia de Primakov, de "Rússia - Índia - China" - esse triângulo. O Brasil está em um continente completamente diferente. Poderia parecer que não existem interesses especiais, nem pontos de contato, mas o Brasil também desenvolveu a ideia de cooperação entre os chamados “países-baleia”, ou seja, países que são enormes em termos de território, têm uma população significativa, um enorme potencial em matérias-primas, mas que não estão bem representados no sistema global. Por isso, quando em 2009, na primeira cúpula em Ekaterimburgo, houve uma reunião do quarteto (China, Índia, Rússia e Brasil), o Brasil demonstrou interesse, pois discutiram segurança alimentar global, economia, problemas de desenvolvimento mundial e adotaram a declaração: "Perspectivas de diálogo entre Brasil, Rússia, Índia e China". Ou seja, era o ano de 2009, de fundação do BRICS.
Em apenas alguns anos, o comércio do Brasil dentro do BRIC cresceu quase 13 vezes, o que mostra o extremo interesse do Brasil em desenvolver a cooperação entre os países gigantes, os países-baleia, os tijolos, os fundamentos da economia mundial. Quando Dilma Rousseff se tornou presidente (Terceira Cúpula do BRICS, 2011, Sanya, China), a cooperação do Brasil com o BRICS se tornou estratégica. Na quinta cúpula, surgiu a questão da criação do Banco do BRIC; após a adesão da África do Sul, ele passou a se chamar Banco do BRICS.
Em seguida, destaco a contribuição do Brasil na sexta cúpula, em Fortaleza. O foco foi o desenvolvimento sustentável. O Brasil preparou documentos sobre o Banco de Desenvolvimento do BRICS e a criação de um pool de moedas de reserva. Em 2015, foi confirmada a criação do Banco do BRICS, com um capital inicial de 100 bilhões de dólares. Em geral, vários projetos de investimento dentro da estrutura do BRICS estão sendo alinhados com a Zona Econômica da Nova Rota da Seda, proposta pela China, e na qual o Brasil está interessado.
Em 2017, as atividades do Novo Banco de Desenvolvimento, ou seja, o Banco do BRICS, começaram a se intensificar. Em março de 2023, Dilma Rousseff, a ex-presidente do Brasil, assumiu o comando do Banco. Ela é uma economista proeminente, uma mulher de personalidade forte. Agora o Banco está trabalhando de acordo com a estratégia de desenvolvimento 2022-2026. Espera-se que Dilma Rousseff lidere o banco até 2025. Dei uma olhada no site do banco, e todos os projetos de infraestrutura e de mudança climática estão presentes lá – pode-se clicar em qualquer um deles e ver onde, como e quando foram implementados, e quanto dinheiro foi gasto.
O Brasil também recebe empréstimos desse banco. A Rússia tomou vários empréstimos para implementar projetos, especialmente no noroeste de nosso país. A estrutura do Banco do BRICS é interessante: há cinco membros, e cada país tem 19,42% dos votos e um presidente. Portanto, estamos falando de uma representação absolutamente igualitária.
Além disso, a ideia de um pool de moedas nacionais foi proposta pelo nosso presidente, e agora o líder brasileiro Lula da Silva apresentou a ideia de introduzir compensações e pagamentos em moedas nacionais do BRICS, e fala-se em uma moeda do BRICS.
Que objetivos o Brasil estabelece para si mesmo ao participar do BRICS? Esses objetivos coincidem com os da Rússia?
O BRICS agora, especialmente nos últimos dois ou três anos, mostra sua importância e relevância, tanto para o Brasil quanto para a Rússia. Ou seja, tem se revelado uma plataforma de cooperação multilateral, sem restrições. O que a Rússia e o BRICS estão discutindo? Em primeiro lugar, questões de desenvolvimento, questões políticas, comércio, investimento, energia, clima e a luta contra o terrorismo. Também estão discutindo uma ordem mundial multipolar, algo que interessa a todos os cinco países, não apenas à Rússia e ao Brasil. Os dois países também estão interessados na expansão do BRICS.
Lula anunciou seu foco na integração regional, ou seja, no Mercosul. Lula está pronto para reviver a UNASUL, a união do sul, o mercado do sul, os dez países da América do Sul. E seria vantajoso para nós estabelecermos, para além de memorandos de entendimento, relações reais entre o Mercosul e a União Econômica Eurasiática.
O Brasil está interessado principalmente em nossos fertilizantes. Essa é uma commodity demandada não apenas na América Latina e especificamente no Brasil, mas em todo o mundo. O potencial de nossa cooperação é enorme, pois o Brasil tem um problema alimentar: apenas 8% de seu território é usado para o cultivo de produtos agrícolas. Usamos muito mais, mas temos uma zona agrícola de risco. Muitas das tecnologias que o Brasil usa poderiam ser usadas por nós.
Escrevi um artigo sobre as atividades da empresa brasileira de pesquisa agrícola EMBRAPA, que é uma empresa público-privada que lidera a rede nacional de pesquisa agrícola. Gostaria de dar alguns exemplos específicos.
O Brasil, na África Ocidental, desenvolveu um arroz especial que pode ser cultivado em solos salinos. Ou seja, o solo não precisa ser dessalinizado, o que é uma solução para o problema alimentar em vários países da África Ocidental. O Brasil supervisiona a produção de algodão de fibra fina, e difunde essas tecnologias pelos países da América Latina e países africanos. O programa Cotton-4 é muito popular. O Brasil conseguiu projetar uma colheitadeira de algodão.
Na sequência, gostaria de mencionar a questão das energias renováveis. O Brasil obtém cerca de 20% de sua eletricidade a partir da energia eólica. Nossa porcentagem é muito menor, o que significa que poderíamos intercambiar tecnologias, pois o que usamos aqui poderia ter uma eficiência maior. Não podemos deixar de falar sobre o sistema fechado de produção, preservando o meio-ambiente. Nós temos algumas conquistas, e eles também. O Brasil está interessado em construir usinas hidrelétricas. As pequenas usinas nucleares que temos no Norte possuem alta demanda no Brasil.
Além disso, há grandes perspectivas de cooperação em tecnologia de TI. Tudo isso precisa ser desenvolvido. O Brasil tem a agência de cooperação ABC, subordinada ao Ministério das Relações Exteriores, que desenvolveu um manual sobre cooperação técnica, ou seja, como avaliar projetos, selecioná-los e, o mais importante, como eliminar a corrupção. Precisamos examinar todas essas etapas, ou seja, é necessário cooperar com a agência ABC, que já coopera com 8 ou 10 países do mundo.
Em seguida, gostaria de falar sobre o problema da assistência médica. Ele é grave no Brasil, existe em nosso país e, é claro, na África. Precisamos de projetos conjuntos na área. Podemos contar com a Fundação Oswaldo Cruz do Brasil, que trabalha no âmbito do Ministério da Saúde, desenvolvendo vacinas, remédios, medicamentos, kits de diagnóstico e assim por diante. A Fundação Osvaldo Cruz coopera com instituições semelhantes em 50 países do mundo! Acho que se a cooperação for bem-sucedida, como ocorre entre o Brasil e a Índia, entre o Brasil e a China, e em nosso triângulo, Rússia, Índia e China, ela atrairá outros países. E esse se tornará o próximo polo na formação de um mundo multipolar.
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