Diretora do Ministério da Saúde de Cuba, Fidela Reyes Obediente: "Cuba tem exercido grande influência na formação médica na América Latina"
Fidela Reyes Obediente, graduada pela Universidade de Ciências Médicas de Camaguey, é a diretora nacional de Docência do Ministério da Saúde Pública de Cuba. Em 2009, foi nomeada vice-reitora de pesquisa da Faculdade de Odontologia e, nove anos depois, tornou-se reitora. Em 2020, ingressou no Ministério da Saúde de Cuba. Ela foi agraciada com a condecoração "Manuel Fajardo" pelos seus muitos anos de dedicação ao sistema de saúde, além de uma homenagem por sua contribuição à educação e ao desenvolvimento do sistema educacional nacional.
Em uma entrevista exclusiva à TV BRICS, ela compartilhou detalhes sobre seu trabalho e as principais áreas de foco em sua função como diretora nacional de Docência do Ministério da Saúde Pública de Cuba.
Atualmente, Cuba foca em garantir a qualidade de todos os processos. As universidades médicas estão subordinadas ao Ministério da Saúde Pública, que atua como um órgão formador, avaliando as necessidades para aprimorar a qualidade de seus processos. Nesse contexto, as universidades têm o objetivo de atender aos padrões estabelecidos pelo Ministério da Educação Superior do país, responsável pela orientação metodológica das instituições.
Para alcançar esse objetivo, os planos de estudo estão sendo revisados e ajustados à realidade atual do país e do mundo, já que a medicina está em constante evolução, com o surgimento de novas tecnologias. Essa transformação deve ser refletida nos currículos das universidades.
— Em sua opinião, qual o papel da medicina na realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU?
— É muito importante. Dentro dos 17 objetivos da Agenda 2030, criada em 2015, um dos objetivos é a qualidade da educação. Para isso, todos os governos devem fiscalizar continuamente o desenvolvimento dos processos de qualidade dentro de suas formações. Isso se aplica igualmente à medicina e à engenharia, pois, se não garantirmos a qualidade na formação, não estamos assegurando o futuro do país e do mundo.
— Como você vê a influência das latitudes na formação das tradições médicas e até que ponto a experiência de países tropicais, como Cuba, pode ser útil para a Rússia, e vice-versa?
— As latitudes influenciam a formação das tradições, pois os costumes e tradições de um povo moldam seu desenvolvimento com base no que acreditam ser o melhor para sua população. Embora as latitudes de Cuba e da Rússia sejam diferentes, a formação médica é universal.
Ambos os países podem aprender um com o outro, pois a formação médica de Cuba e da Rússia tem o mesmo objetivo: preservar a saúde. Isso é refletido nos padrões de vida, qualidade de vida, relevância e a longevidade que cubanos e russos podem atingir.
Portanto, as latitudes são diferentes, mas os princípios médicos que regem os dois países são os mesmos.
— O que você pensa sobre a parceria entre Cuba e outros países latino-americanos no campo da medicina?
— Cuba tem exercido uma grande influência na formação médica na América Latina. Desde 1999, após o furacão Mitch, um grupo de jovens chegou a Cuba para estudar na Escola Latino-Americana de Medicina. Naquela época, o comandante Fidel [Castro] afirmou que era necessário criar uma escola para que eles pudessem retornar aos seus países e trabalhar lá.
Não se tratava apenas de enviar médicos para ajudar nos países da América Latina afetados pelo desastre, mas também de formar os próprios profissionais de saúde desses países, para que se tornassem guardiões da saúde de seus povos. Até hoje, conseguimos alcançar esse objetivo.
Em Cuba, a formação em medicina remonta a 1726, o que nos levou a um desenvolvimento contínuo. Fomos um dos primeiros países da América Latina a oferecer o curso de medicina. Após a Revolução, ficamos com apenas 3.000 médicos para todo o país, e decidimos então desenvolver a medicina em nível nacional, não só a medicina hospitalar, mas também a medicina comunitária.
Isso resultou em uma formação de graduação incomparável, de acordo com os dados históricos da Revolução Cubana, mas também nos concentramos na formação pós-graduada. Isso permite que os profissionais graduados tenham acesso a uma atualização constante, possibilitando alcançar os mais altos padrões na formação científica, como o grau de doutor em ciências ou doutora em ciências.
Adotamos várias práticas da medicina russa, como as especialidades de primeiro e segundo grau, que são utilizadas em Cuba, baseadas na formação russa, tanto da antiga União Soviética quanto da atual Rússia. Mantivemos essas práticas, o que é algo curioso que talvez você não soubesse.
Também decidimos investir na extensão universitária, o que permite que os futuros profissionais de saúde se aproximem das comunidades, trabalhem nelas, ajudem a população, e isso se tornou parte do currículo universitário.
— Em quais aspectos os sistemas educacionais devem se concentrar nos planos de estudo para futuros cirurgiões, terapeutas, dentistas e outros profissionais da saúde?
— É fundamental focar na qualidade dos programas. É necessário revisar constantemente esses programas para avaliar o quanto os profissionais estão aprendendo e como estão sendo formados. Além disso, é importante considerar os avanços tecnológicos e como integrar essas inovações aos nossos currículos. Contudo, há um princípio essencial que não podemos perder de vista: o método clínico. Esse método permite que um médico, com um esfigmo e um estetoscópio, faça um diagnóstico primário no primeiro nível de atendimento, algo que nunca deve ser esquecido. Deve-se fortalecer esse método e apoiá-lo com as novas tecnologias.
Por isso, os sistemas educativos precisam se concentrar não só em incorporar as novas tecnologias nos programas, mas também em garantir a qualidade da formação dos estudantes, de acordo com o contexto, além de assegurar que a avaliação seja sistemática, para que nossos profissionais saiam mais bem preparados.
— No seu ponto de vista, quais são os principais aspectos que o governo deveria considerar ao organizar o trabalho dos departamentos médicos?
— O governo precisa levar em conta as necessidades da população. Quando se tem um sistema de saúde único, no qual a saúde é gratuita, é fundamental garantir a qualidade dos processos em todas as regiões do país. Por exemplo, em Cuba, temos três níveis de atendimento: primário, secundário e terciário, sendo o nível primário o mais importante. É nesse nível que conseguimos diagnosticar e tratar a pessoa, evitando que o problema se agrave dentro da comunidade e se transforme em uma doença maior.
Acredito que o foco deve estar na qualidade dos programas, para que o sistema educacional se desenvolva de forma contínua. O avanço do sistema educacional leva ao aprimoramento do sistema de saúde e, consequentemente, ao progresso do país, que também pode ser medido pela saúde de sua população.
— Você participou de uma conferência sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Quais experiências você considera úteis para o seu país? E por que acha que essa conferência é importante?
— Eu disse ao reitor que fiquei realmente impressionada com a RUDN [Universidade Russa da Amizade dos Povos], porque ela conseguiu reunir uma grande quantidade de países nesse evento. As conferências iniciais foram focadas em avanços tecnológicos e nos permitiram conhecer não apenas o desenvolvimento da Rússia, mas também de outros países, como Peru e Colômbia, que participaram como convidados.
Acredito que eventos como esse não só unem nossos países em um espírito de amizade, mas também ajudam a gerar resultados concretos. Temos a oportunidade de conhecer pesquisas realizadas aqui ou em outros lugares que, em determinado momento, podem ser o ponto de partida para iniciativas de pesquisa em nossos próprios países.
Além disso, levo comigo muito calor humano e amizade, apesar do frio. Todos foram muito atenciosos, fazendo com que nos sentíssemos acolhidos. Mas, acima de tudo, o fato de reunir várias nações em um mesmo espaço favoreceu o intercâmbio, o que acaba gerando novos projetos de pesquisa.
Assista à entrevista completa aqui.