Manuel Riesco: Chile deve se concentrar na integração da América Latina e na participação no trabalho do BRICS
Manuel Riesco, economista e vice-presidente do Centro de Estudos Nacionais de Alternativas de Desenvolvimento, formou-se na Faculdade de Engenharia e fez mestrado em Economia na Universidade do Chile. Em 1985, concluiu um programa de doutorado em economia política no Instituto de Informação Científica em Ciências Sociais da Academia de Ciências da União Soviética (atual Academia de Ciências da Rússia).
Em uma entrevista à Crónica Digital, realizada especialmente para a rede TV BRICS, Riesco compartilhou suas opiniões sobre os processos que estão ocorrendo no Chile e na América Latina, bem como sobre a interação da república com o BRICS.
– A integração dos países latino-americanos é um de seus interesses de pesquisa. Poderia nos contar mais sobre esse fenômeno: o que já foi feito nesse sentido e o que, na sua opinião, deve ser feito no futuro?
– A integração dos Estados latino-americanos, o sonho do libertador Simón Bolívar, é uma estratégia de desenvolvimento fundamental para garantir que os países ao sul do Rio Grande tenham o nível mínimo de independência e soberania necessário para o desenvolvimento econômico, social e político de seus povos no mundo moderno.
Isso só pode ser alcançado por meio da criação de um espaço para a livre transferência de bens, capital e pessoas, regulado e protegido por instituições estatais supranacionais comuns, proporcionais aos principais atores estatais do mundo moderno. Esse é o mesmo papel desempenhado pelos Estados-nações modernos, a maioria dos quais surgiu na segunda metade do século XIX.
Essa foi a visão dos fundadores da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe na década de 1960, inspirados pelo grande economista argentino Raúl Prebisch. A necessidade de integração também foi mencionada pelo revolucionário cubano Fidel Castro em seu discurso histórico no novo prédio dessa comissão regional da Organização das Nações Unidas em Santiago, em 1971, sentado à direita do presidente constitucional e revolucionário do Chile Salvador Allende.
A integração da América Latina é um processo histórico complexo que está em andamento em nossa região há meio século e ainda está em sua infância. Ele é dificultado por aqueles que seguem o velho princípio de dividir para governar. É por isso que nossos países devem continuar nesse caminho até que a integração se torne uma realidade, mesmo que essa tarefa seja passada para a próxima geração.
– Vários países latino-americanos manifestaram interesse em participar do BRICS. Quais são as perspectivas de cooperação entre a associação e os Estados latino-americanos?
– Os interesses nacionais do Chile, que devem determinar a participação ativa do país na integração latino-americana, também implicam a adesão ao BRICS, seja de forma independente ou, de preferência, em conjunto com outros Estados da região.
Entretanto, o interesse nacional do Chile vai além de um interesse puramente comercial. Nossa participação e nosso apoio ativo à associação devem contribuir para o progresso de todo o mundo em desenvolvimento em um espírito de cooperação pacífica entre parceiros iguais, em que todos possam determinar seu próprio caminho.
– Que áreas da economia você considera as mais promissoras para a cooperação entre o Chile e a Rússia?
– Atualmente, o Chile exporta alimentos, especialmente frutos do mar, para a Rússia. Há algumas décadas, também importávamos ativamente carros e tratores fabricados na Rússia. Acreditamos que o comércio deve se expandir significativamente, pois isso trará benefícios mútuos. Por exemplo, o Chile pode importar tecnologia e equipamentos para mineração e indústrias de processamento relacionadas, bem como cooperar em ciência e tecnologia necessárias para apoiar a reindustrialização do país.
– Com quais países do BRICS o Chile coopera mais? Em que áreas?
– O segundo maior parceiro comercial do Chile é o país cujo nome começa com a primeira letra do acrônimo BRICS. Nossa cooperação com o Brasil em todas as áreas, incluindo investimentos no exterior, é, sem dúvida, uma das principais, assim como nossa cooperação com a África do Sul em todas as áreas das relações internacionais.
– E quais áreas de cooperação entre o Chile e o BRICS ainda não foram desenvolvidas, mas têm potencial?
– Mencionei recentemente que é importante estabelecer laços em áreas relacionadas à reorientação da economia chilena de um sistema baseado na exportação de recursos naturais brutos para um sistema que agregue valor por meio de uma força de trabalho jovem, saudável e qualificada na produção industrial. Isso também envolve o desenvolvimento de cadeias de suprimentos na extração de recursos naturais.
– O Chile é um dos maiores produtores de lítio do mundo. Que medidas o governo está tomando para proteger o meio ambiente durante o processo de mineração?
– O lítio é extraído no Chile das salmouras dos pântanos de sal no alto da cadeia de montanhas no norte do país. É um processo bastante simples, que consiste em bombear a salmoura e evaporá-la ao sol, após o que elementos úteis, como potássio e iodo, são extraídos da solução restante, que, quando vendida, cobre todos os custos do processo, tornando a extração de lítio bastante econômica.
No entanto, isso tem um sério impacto sobre o frágil ecossistema dos pântanos salgados, pois a água está presente nessas salmouras desde a última era glacial, há cerca de dez mil anos. Os problemas ambientais nesse caso são, portanto, mais complexos do que no caso da mineração de minério, por exemplo. Um projeto do governo envolve a substituição do processo de evaporação pela extração direta de minerais, devolvendo a água de volta ao pântano salgado. Entretanto, essa questão ainda não foi resolvida.
– O lítio é um elemento fundamental na produção de baterias para veículos elétricos. Qual é o nível de desenvolvimento do uso do transporte elétrico no Chile nos setores público e privado?
– No momento, quase não há uso desse modo de transporte. Até mesmo os bondes, trólebus e trens elétricos que serviam as principais cidades e grande parte do país foram abolidos quando o governo liderado por Augusto Pinochet governou o país. Eles foram substituídos por transportes movidos por motores de combustão interna. A única exceção é o metrô de Santiago, construído nas últimas décadas.
– Um dos principais aspectos da cooperação internacional é o idioma. O Chile tem alguma particularidade no ensino dos idiomas dos países parceiros em uma determinada área?
– A ênfase atual no Chile está no aprendizado do inglês, que é amplamente falado. No caso do Brasil, nosso segundo maior parceiro comercial, há pouca barreira linguística, pois o espanhol e o português são semelhantes. No entanto, apesar de ser nosso principal parceiro comercial, a China não tem um programa abrangente de língua chinesa. Isso precisa mudar.
Artigo escrito por Iván Gutiérrez Lozano, editor da Crónica Digital.
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